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São Paulo, domingo, 15 de maio de
2011 - Folha de São Paulo
No centro de SP, "Hulk" e "Capitão
América" são as pedras tidas como mais potentes e em alta entre viciados.
ÓXI SE CONFUNDE COM OUTROS SUBPRODUTOS DO CRACK ENTRE OS USUÁRIOS NA CRACOLÂNDIA,
APESAR DO CHEIRO DE SOLVENTE.
Eliane
Trindade Apu Gomes
De
São Paulo
Enquanto a polícia faz apreensões cada vez maiores
de óxi, na cracolândia -reduto de usuários no centro de São Paulo- não há
distinção entre o crack e o seu genérico, anunciado como mais potente, mais
barato e mais devastador.
Em alta na área está o "Hulk": uma pedra
de crack verde, que teria pureza maior e efeito mais duradou- ro. O nome se
refere ao herói dos quadrinhos que ganha superpoderes ao virar um gigante
verde, o Incrível Hulk. Faz sucesso também a pedra vermelha, a "Capitão
América". Para a polícia, o crack colorido é uma forma de o traficante enganar
os usuários e aumentar o preço.
No mês passado, foram apreendidos 50 kg de crack
rosa na Baixada Santista. "O traficante precisa encontrar um diferencial.
Mudando a cor da pedra, ele convence o usuário de que seu produto é mais puro
ou mais forte do que o do concorrente", afirma o delegado Reinaldo Correa,
do Denarc (departamento de narcóticos).
Já o óxi é da mesma cor da pedra tradicional, entre
o marrom e o amarelado. Feito da pasta base de cocaína acrescida de solventes
como querosene e gasolina, o "bagulho novo" só é diferenciado por
entendidos.
É o caso de Jennifer, travesti de 24 anos, oito
deles entre idas e vindas na cracolândia. "Tive o privilégio de usar o
óxi, porque os irmãos [traficantes] abriram pra mim", relata. "Bate
uma adrenalina mais forte, mas o efeito vai embora rápido."
Jennifer dá a receita dos ingredientes que inala
com o seu "fogãozinho dourado", um cachimbo feito com peça de fogão:
"A gente queima pedra com bicarbonato, querosene, solução de pilha e de
bateria de carro".
Usuários relatam que o óxi deixa um resíduo
pastoso. Dizem sentir um odor de combustível. "Tem cheiro de gasolina, mas
dependendo da mistura não dá para sentir tanto", explica Jennifer.
Por ser composto de ingredientes mais baratos que o
bicarbonato de cálcio e o amoníaco usados no crack original, o marketing
clandestino do óxi alardeia que a pedra é vendida a R$ 2.
PREÇO TABELADO
No vaivém das ruas do centro de São
Paulo onde centenas de usuários vagueiam diuturnamente, a pedra tem preço
tabelado, independente da mistura: R$ 10. "Não tem pedra de R$ 2.
Por esse preço aqui só uma
pipada ou um farelo e olhe lá", diz Cabral, o Velho, sentando na praça
Júlio Prestes, no coração da cracolândia, na tarde da última quarta. "Pegaram mil papelotes de óxi, não vimos nem o cheiro", diz o
homem magro, que aparenta uns 55 anos, sobre a mais recente apreensão. No muro
em frente à praça, um grafite sintetiza o que são as pedras negociadas
abertamente na área: "Nem tudo é o que parece", escrito ao lado do
desenho de um Saci Pererê com o seu clássico cachimbo.
Nêga, apelido da mulata de corpo musculoso e sorriso largo e de boné,
puxa papo: "Esse óxi não tá com nada. Bom mesmo é o "Hulk'".
Esse é bagulho bom", confirma Cabral, sobre a pedra verde.